A ideologia é hegemônica: estabelece e sustenta relações de dominação mesmo nos textos como as teses ou dissertações. A revisão de textos é parte do processo ideológico e não se furta a atuar nele.
A discussão sobre ideologia aqui apresentada, no contexto
das revisões, dá-se à luz da Análise de Discurso Crítica (ADC), na qual o
conceito de ideologia é, inerentemente, negativo, e não neutro. Esse posicionamento
não exclui, contudo, a preocupação com ideologias visuais investigadas no âmbito
da Teoria da Semiótica Social da Multimodalidade (TSSM). Assim, as preocupações
ideológicas, de alçada do revisor, permearão todas as análises.
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A revisão de textos não é isenta de ideologia, assim como quase nenhuma forma de representação. |
A representação do discurso não é mera questão gramatical,
mas processo ideológico, o que sugere que analisar e revisar textos significa
considerar as vozes que são representadas direta e indiretamente, passiva ou
ativamente, nominal ou impessoalmente e, claro, quais as consequências dessas
escolhas na intenção do autor e em seus reflexos perante o interlocutor. A
ideologia tem existência material, constitui sujeitos e é focada na análise de
discurso ideologicamente orientada pelos aparelhos ideológicos do Estado. Ela
funciona pela constituição e pelo posicionamento das pessoas como sujeitos sociais.
O mais importante é que essa constituição e esse posicionamento se dão no
interior de várias organizações e instituições sociais, como educação, família
ou direito, que funcionam como dimensões do Aparelho Ideológico do Estado (AIE),
as chamadas Centering Institutions (IC):
atores sociais autoritários que estratificam valores no sistema de indexicalidade.
Esses AIE determinam as indexicalidades pelas quais os
indivíduos devem se orientar para serem considerados “sociais”, as IC produzem
o significado de se pertencer a um grupo. Tais instituições centralizadoras
articulam hierarquia, valores centrais de um grupo social, como deus; como pai,
mãe, filho, estudante ideais; o conceito de nação, de lei, do intelectual. Elas
envolvem percepções e processos reais de homogeneização e de uniformização, estabelecendo
diferenças e normas.
O posicionamento é de que as ideologias são representações
de aspectos do mundo, representações que podem contribuir para a criação, para
a manutenção ou para a mudança nas relações sociais de dominação, de poder e de
exploração. Dizer que as ideologias são representações que podem ser desveladas
para contribuir para as relações sociais de poder e de dominação é sugerir que
a análise textual precisa ser enquadrada, a este respeito, na análise social, a
qual considera o corpus de textos em termos de seus efeitos sobre as relações
de poder.
O ponto importante dessa relação entre ideologia e textos é
que estes, como elementos de eventos sociais, têm efeitos causais: mudam
pessoas (crenças, atitudes, valores), mudam relações sociais e mudam o mundo
material. Por isso, faz pouco sentido estudar a linguagem, especialmente em
tempos de novo capitalismo, se não se pensar que os textos, mediados por
produção de sentido, têm efeitos em mudanças sociais. Afastando-se de simples
causalidades mecânicas e de simples regularidades dos textos e admitindo que
muitos outros fatores no contexto determinam quais textos particulares têm tais
efeitos e que variedade de efeitos um texto pode ter, ocorre que alguns dos
efeitos causais dos textos, que têm constituído preocupação central para a
Análise de Discurso Crítica (ADC), são os efeitos ideológicos – os efeitos dos
textos em inculcar e em sustentar ou mesmo em mudar ideologias.
Mas “todo texto é ideológico?” não, uma vez que as
ideologias são caracterizadas nas sociedades por relações de dominação. À medida
em que os seres humanos são capazes de transcender tais sociedades, são capazes
de transcender tais ideologias. Assim, apenas se pode chegar a um julgamento
sobre se uma afirmação é ideológica olhando para os efeitos causais que ela e demais
reivindicações relacionadas têm em determinadas áreas da vida social e
perguntando se elas e seus decretos e inculcações contribuem para sustentar ou
para alterar as relações de poder. Isso justifica a importância da análise
linguística e socialmente orientada. Admite-se que a ideologia seja propriedade
tanto das estruturas, quanto dos eventos, daí a necessidade de uma abordagem
satisfatória da dialética entre estrutura e ação: os sujeitos têm liberdade,
mas relativa. Por isso, mesmo em se concluindo que determinada afirmação é
ideológica, isso não torna essa afirmação necessariamente ou simplesmente falsa.
Há ainda dois aspectos importantes: a ideologia não está no
texto, mas nas várias interpretações que se tem desse texto e nem todos os
tipos de discurso são investidos ideologicamente no mesmo grau: a publicidade,
por exemplo, é investida ideologicamente com mais vigor do que as ciências
físicas, por exemplo. É muito difícil ser preciso sobre os processos envolvidos
na construção de significado pela razão óbvia de que tal construção se dá na
cabeça das pessoas e não há meios diretos de acessá-los. Ademais, os textos
escritos podem figurar em muitos processos diferentes de criação de significado
e contribuir para diversos significados, porque são abertos a diversas
interpretações, afinal, o significado depende não apenas do que está explícito
no texto, mas também do que está implícito, do que é assumido ou presumido. O
que é dito em um texto sempre repousa, também, sobre o não dito, sobre suposições.
Por isso, investigar assunções é parte da análise de textos.
A importância da atenção aos aspectos ideológicos do texto,
em seu sentido mais amplo, por parte de revisor, está justificada. Para melhor
expor essa relação entre Revisão Textual e ideologia, ela se dá de dois modos:
a ideologia nos discursos sobre o revisor, de um lado, e a ideologia nos textos
sob o escrutínio do revisor, de outro. No primeiro caso, a concepção de
assujeitamento, pode ser observada no sistema de atividade de revisão de texto
tradicional, pode-se dizer que o revisor é interpelado pela ideologia das
editoras ou dos autores e seus orientadores, não lhe restando liberdade para
tomar decisões linguísticas, discursivas, ideológicas.
É por meio desses mecanismos de como o revisor deve agir ou
não agir que a ideologia, funcionando nos rituais materiais da vida cotidiana,
interpela o profissional, restando-lhe o papel formal, gramaticista,
normalizador e fiscal da língua; em outras palavras, o revisor é visto como um
mero conferente.
A ideologia dos discursos, especialmente das editoras e dos
manuais para revisor, reduzem esse profissional a vigiador da norma culta. Essa
noção de sujeito assujeitado, sem condição para agir, não se coaduna com os
propósitos da ADC. Portanto, em um movimento de resistência, o revisor pode
mudar a própria condição pelo próprio discurso, pelas próprias ações e
reivindicações e pelo trabalho que realiza, mostrando-se mais que um
gramaticista.
Isso nos leva ao segundo enfoque da ideologia na Revisão
Textual: o revisor crítico, atento ao discurso dos textos que tem diante de si:
o produto de uma ordem econômica particular que poderia ser mudada.
O conceito de ideologia – representações do mundo que podem contribuir
para a criação, para a manutenção ou para a mudança nas relações sociais de dominação,
de poder e de exploração – influencia as minhas decisões de revisão de qualquer
texto. O analista do discurso (ou o revisor de textos) deve estar ciente de que
há diferentes efeitos de sentido entre “o deputado (ainda) pensa/acredita/sustenta
que esses empregados são vagabundos” e “esses empregados são uns vagabundos”,
mostrando que a abordagem de ideologia mais as ferramentas da ADC fornecem
“ferramentas para se analisar, linguisticamente, construções discursivas
revestidas de ideologia”. O pressuposto é que os sujeitos, embora posicionados ideologicamente,
podem agir criativamente, reestruturando práticas e estruturas posicionadoras.
Além disso, ao considerar os efeitos causais dos textos, interfere-se neles.
Fragmentos adaptados de Macedo.