O revisor deve ter distanciamento do texto.
Mas eu já reli e reescrevi dezenas de vezes a tese, o orientador corrigiu muito, para que revisar de novo? E também, quem vai saber revisar esse meu texto, cheio de termos técnicos?
O que as investigações realizadas sobre a revisão demonstram é que os autores veem a escrita como processo de etapa única, em que o texto, uma vez escrito no papel ou no computador, não é mais alterado. Mesmo com o uso de processadores de texto, onde fica extremamente fácil introduzir qualquer modificação no texto, as revisões permanecem escassas.
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Revisar uma tese ou uma dissertação requer alteridade: somente pode ser feito por que não interferiu na produção do texto. |
O que se aplica ao escritor, de modo geral, nesses aspectos, também se refere ao redator de um trabalho acadêmico longo, seja a dissertação ou a tese. Portanto, tudo que está posto aqui cabe ao fim do mestrado ou do doutorado. Mesmo que o texto tenha sido lido e relido, escrito e reescrito, tanto pelo autor quanto pelo orientador - e até mesmo por causa de tais múltiplas reescrituras e leituras que causam o saturamento das imagens das frases e o escritor passa a não ver mais os problemas existentes.
Se deixados por sua conta, os autores não revisam seus textos espontaneamente, quer contando com a facilidade proporcionada pelo computador, quer com a presença de outros recursos, como dicionários ou gramáticas. Descartam também o fato de que resultados melhores são obtidos com a adoção de intervenções do revisor no texto. Situações em que há encaminhamento do texto ao revisor e em projetos colaborativos, onde autores de obras coletivas escrevem e leem os textos uns dos outros, geram resultados significativamente melhores que os obtidos por autores que se isolam. Na medida, porém, em que a revisão é forçada pela necessidade do revisor profissional ou feita com a ajuda do colega, em procedimento cooperativo (também propiciado pelo revisor), ela deixa de existir como auto-revisão, na acepção exata do termo.

A questão não respondida é se o autor sabe ou não revisar seu próprio texto, se é capaz de fazer a auto-revisão. Há, na interpretação da bibliografia revisada, uma confusão entre não fazer e não saber. Sabemos que os autores espontaneamente não revisam seus textos, mas não sabemos se eles realmente não sabem revisar. Não revisar é diferente de não saber revisar. É possível que esses mesmos autores, que não revisam seus textos, saberiam como fazê-lo se estivessem numa situação em que a auto-revisão fosse de alguma maneira inevitável.
Define-se a revisão como a introdução de interferências no texto visando sua melhoria. Essas mudanças podem atingir palavras, frases ou parágrafos e ocorrem por exclusões, inclusões, inversões ou deslocamentos. Tratando-se de um processo de auto-revisão, as mudanças são feitas pelo próprio autor sem a ajuda do colega ou do revisor.
Os autores serão capazes de revisar autonomamente seus textos? Se revisarem, que aspectos irão privilegiar? Ortografia? Vocabulário? Sintaxe? Estilo? Conteúdo?
A hipótese que assumimos é que, dadas as condições, o autor é capaz de fazer a revisão de seu próprio texto. Essa revisão pode afetar questões de correção gramatical (ex.: ortografia, concordância), mas principalmente as questões de estilo, incluindo aí mudanças na seleção de vocabulário – substituindo, por exemplo, palavras de sentido vago por palavras mais precisas – e de construções sintáticas – incorporando, frases simples num período composto por mecanismos coesivos. Essas mudanças podem não tornar o texto mais correto gramaticalmente, porém mais coerente, fluente, expressando melhor a relação entre as idéias. O autor não vai primeiro escrever errado para depois escrever certo. A hipótese é de que ele já vai tentar escrever corretamente na primeira versão, conseguindo se tiver a necessária competência. O que ele vai procurar é melhorar a expressão de suas idéias, tornando-as provavelmente mais claras na reescritura.
A condição que requer a necessidade do revisor profissional é a qualificação da competência formal somada a da alteridade interveniente. É provável que o autor, ao perceber que, de certa maneira, tem que reescrever todo o texto a cada releitura, acabasse introduzindo as mudanças que, em sua opinião pudessem melhorá-lo, todavia passa a reler cada vez mais superficialmente, posta a intimidade cada vez maior entre produtor e produto.
Mas meu orientador leu a tese toda e corrigiu, por que vou precisar de um revisor de textos? Eu mesmo reviso meus trabalhos, sou bom em português...
A autorrevisão na produção textual tem sido geralmente vista como uma utopia, tanto em língua materna como estrangeira. Entre as explicações que se podem oferecer para essa dificuldade em levar autor a revisar seu próprio texto estão um conceito errôneo de revisão por parte do produtor do texto, a dificuldade de detectar os problemas do próprio texto e uma espécie de resistência passiva em modificar o que já foi escrito.
A maioria dos autores parece conceber a revisão como um recurso que é usado apenas quando algo sai errado na tentativa de escrever e que envolve aspectos superficiais da frase. Revisar é corrigir, dar um tratamento cosmético ao texto, sem repensar o que foi escrito, sem necessidade de reescrever o texto. A revisão não é vista pelos autores como o centro do processo da escritura, o instrumento pelo qual as ideias emergem e evoluem e o sentido é construído, mas apenas como a última leitura que se faz do texto tentando detectar algum erro superficial de ortografia ou de gramática. Estudos realizados com autores universitários mostram que a revisão é feita principalmente para corrigir problemas superficiais de ortografia, pontuação e gramática. Raramente os autores fazem mudanças globais no texto, reescrevendo partes maiores, acrescentando ou tirando ideias. No momento em que a revisão deixa de ser vista como um processo necessário na construção do texto e passa a ser vista como um mecanismo de correção de algo que foi mal construído, a atitude do autor é negativa e a preocupação é a de evitá-la.
Existe também o problema de o autor não conseguir detectar os erros, quer seja por não percebê-los numa leitura mais rápida quer por desconhecer o problema, devido à incompetência linguística. Pode ser, portanto, um problema de falta de atenção ou de falta de conhecimento. Sabe-se que a incapacidade de detectar o erro (hipótese do déficit de processamento) é um problema maior do que a capacidade de saber como resolvê-lo (hipótese do déficit de conhecimento).
Finalmente, existe também a resistência passiva do autor em não querer revisar o texto. Vários estudos mostraram que os autores não reformulam espontaneamente o que já escreveram, apesar das anotações e sugestões dos revisores, que muitas vezes não são nem lidas pelo autor.